Quest Design (parte 1) - Uma importante pergunta
- Misterdovah
- há 5 horas
- 5 min de leitura
"Por quê?"
Essa pergunta é central no desenvolvimento de jogos, em especial quando se pensa sobre a experiência que os jogadores devem/deveriam ter. Ao contrário de outras tecnologias e contextos, que apresentam uma experiência de acesso e resolução de problema, um game é pensado para manter o jogador ativo. Um aplicativo de compras e um de banco, por exemplo, devem ter uma estrutura para a resolução da demanda que levou o usuário até eles, ou seja, comprar algo ou pagar algo e depois sair. Nos jogos, o desafio é fazer com que o usuário tenha vontade de acessar o conteúdo e mantê-lo até o fim (engajamento). Se houver motivos, acessar mais de uma vez, mesmo após a finalização do conteúdo (rejogabilidade).
A experiência do gamer, chamada de GUX (Game User Experience), é elaborada pensando nessa reação de permanência, portanto, o jogo não é feito para o desenvolvedor, mas sim para quem vai jogá-lo, imaginado sobre uma persona que reúne as características mais comuns do público-alvo. No meio dessa demanda, como o dev deve agir? Este texto tem como base o artigo de Tobias Heussner, do livro The Advanced Game Narrative Toolbox.

.
Mate, pegue, leve - trabalho não falta
Imagine que seu protagonista tem um sonho e até a realização dele há um caminho. O percurso deve ser convidativo o suficiente para ser executado. Durante o trajeto, ele encontrará obstáculos que dificultarão o avanço, desviarão sua atenção ou apresentarão novas informações sobre o que existe. Esses obstáculos são as denominadas quests. A ida até o sonho é a principal, então chamaremos de mainquest. As paralelas enriquecem a aventura, mas podem não contribuir para o sonho, chamaremos de sidequest. Dentro das quests, existem atividades menores chamadas tasks, que são as tarefas seguidas para o cumprimento de tudo.
Em uma visão geral ficaria assim:
QUEST - O SUMIÇO DO BARDO
TASK- Vá até o antigo bar, onde o Bardo sempre se apresentava, fale com o atendente (lá o atendente informa onde o Bardo mora).
TASK- Vá até a casa do Bardo, conforme o atendente disse, e investigue o local (lá o jogador descobre uma carta que solicita um encontro secreto na floresta).
TASK- Descubra onde fica a Clareira Diamante, onde o Bardo foi se encontrar com o Mercador. (lá há pistas de luta, corpos e um papel com o símbolo de um grupo de ladrões).
TASK- Leve de volta ao atendente do bar o papel para saber sobre o símbolo. (o atendente fala que esse símbolo é do grupo Braveheart, um bando de ladrões malvados que sequestram pessoas e que seu esconderijo fica na caverna do leste)...
E assim vai...
Observe que as tasks costuram o caminho do jogador para a resolução da quest, que constituem a experiência dentro do jogo. A todo momento, é importante se pergunta a razão de isso tudo acontecer:
"Por que ir até a caverna?" - por causa do símbolo.
"Por que ir até a Clareira Diamante?" - por causa da carta.
"Por que encontrou a carta?" - porque o atendente indicou a casa do Bardo.
"Por que falou com o atendente?" - porque ele é indicado pelo jogo para saber de rumores.
E a pergunta que origina tudo: "Por que procurar o Bardo?" - porque ele tem importância para a narrativa de alguma forma.
Nada em um jogo pode ser por acaso, solto, sem razão, apenas "porque sim". A experiência deve ter coesão e coerência e é nessa costura de informações que muitos desenvolvedores falham. O olhar do outro é importante nessa percepção. O óbvio para o desenvolvedor por ser um enigma para o jogador.
Uma boa prática é sempre manter a justificativa em vista do que está acontecendo durante a elaboração da quest:
1- Por que é importante fazer isso?
2- Por que isso tem que ser resolvido dessa maneira?
3- O que o jogador ganha com isso?
A Importância
Há diversos motivos para engajar em uma quest, a mais desejada pelo desenvolvedor é que o jogador faça o objetivo por vontade própria. O emocional, portanto, pode ser um dos alvos aqui. Vamos exemplificar uma sidequest de cunho emocional para engajamento:
a) Sem contexto com baixa possibilidade de aceitação - jogador está em uma vila sendo atacada e deve fugir. No caminho, sabe através de pistas (destroços, corpos, gritos) que outras pessoas estão em perigo. Ele pode ajudar alguém, mas não há motivos aparentes. Aqui, as chances de haver resolução são mínimas.
b) Baixo contexto com alguma possibilidade de aceitação - jogador está em uma vila sendo atacada e deve fugir. No caminho, vê idosos e crianças fugindo, TALVEZ seu senso de moral os mande agir se virem a possibilidade de intervenção.
c) Alto contexto com maior possibilidade de aceitação - jogador está em uma vila sendo atacada e deve fugir, mas ANTES DISSO, houve alguma interação entre ele e as pessoas que moram ali, inclusive ele conheceu o Senhor Lopes, dono de um orfanato que cuidou dele desde criança e continua na missão de ajudar crianças a sobreviver. O protagonista é muito grato por tê-lo conhecido e isso fica muito claro. Minutos depois há um ataque e o jogador, fugindo, vê o idoso e as crianças tentando escapar de assaltantes. Aqui existe um motivo para agir, em especial se a ação do jogador interferir no futuro.
d) Contexto recompensatório com média possibilidade de aceitação - o jogador sabe que, se ajudar as pessoas, elas irão dar a ele algo, seja uma arma, dinheiro ou item especial. A inércia também pode levar a outra situação, como loot (pegar os itens do corpo).
Fazer algo precisa ter sentido. Iniciar algo que não faz sentido deixa a jogatina rasa e isso é muito ruim para a experiência.
A Maneira de fazer
Você pode oferecer ao jogador meios distintos para agir. Se a missão dele for acessar um item e levar para alguém, oferecer maneiras que se ajustem a modelos de gameplay torna tudo muito mais interessante. Imagine:
Quest - Vingança contra o Rei
Task - Pegue a joia real da sala do trono.
a) furtivamente - o jogador pode se esgueirar pelos cantos para, sem ser visto, alcançar o item e sair. Isso dá uma dose de desafio para quem gosta da discrição.
b) escandalosamente - o jogador pode entrar pela porta da frente e passar a faca em todos os guardas para alcançar o item.
c) usar de terceiros - o jogador pode convencer alguém que trabalha no castelo a dar-lhe acesso ou a pegar o item.
Essa variedade é importante sobretudo em jogos de RPG, pois o estilo do jogador impresso nas ações de personagem são característicos desse jogo. Também faz parte da imersão, pois as consequência para cada uma dessas escolhas pode ficar clara após a realização. Aqui caberia falar de um sistema de moral no protagonista, ou sistema de carisma, força e furtividade. São diversas maneiras de promovar (re)jogabilidade e engajamento.
Os Ganhos
É aqui que a coisa fica interessante: as recompensas valem a pena? Um dos indicativos de progressão é a mobilização de recursos econômicos, e não estou falando de dinheiro. O que o jogador receberá ao cumprir tudo?
Dinheiro?
Item comum?
Item raro?
Item único?
Uma parte secreta da narrativa?
Uma roupa nova?
Acesso a uma área nova?
Terminar uma quest cansativa e receber apenas "obrigado" não é convidativo. A experiência tem que superar o "leva-e-traz" sem razão e conseguir oferecer ao jogador a sensação de que ele realmente fez algo bom para alguém, mesmo que esse alguém tenha pixels e não células. Da mesma forma o que ele ganhará com toda essa empreitada.
Você alcançou seu objetivo quando se torna natural aceitar e concluir a quest iniciada por decisão emocional do jogador. Se seu jogador decidir fazer isso por conexão emocional, você atingiu seu objetivo como designer narrative. (Tobias Heussner)
Mas, como escrever a quest? Isso fica para uma próxima postagem.
C ya.
Meu amigo, esse conteúdo está maravilhoso!!
Os exemplos oferecidos ao longo do texto são práticos, claros e elucidativos.
Parabéns, Mister!! 🤯😍